avalovara
todo jantar começa de véspera
e sobre a mesa sagram-se desde já
os objetos:
sob a luz acesa,
o copo para o vinho
a garrafa aberta
e — para o acaso — papel e caneta
é primavera, não se esqueça
e as borboletas são — mais que esperadas —
o obsessivo desejo
rondando a mesa
de branca toalha
e sobe-se a escada
— espiral mágica que nunca finda
e se multiplica em cores
sobre nossas cabeças —
e cada degrau é uma certeza:
hoje é véspera de amanhã
quando também se janta
pois longo é o Amor
(já que a vida é curta)
um cavalo branco abre as asas
cruza o espaço da sala
— a palavra é música —
e tudo é pássaro
e tudo passa
enquanto infinitamente se renasce
pour Camille
Quem modela a vida
(se tudo é forma
e belo
como flui o Sena)?
Olha quanto é duro o mármore
e quebradiço
mas teu cinzel
sob o martelo o dobra
— é teu feitiço —
revelando segredos lá fincados.
Quantas vezes olhaste o rio
em frente à tua casa
e em que pensavas
rebelde menina apaixonada pelo Amor?
Esqueceste que não se molda o Amor:
sua matéria é vil
sua matéria é o nada.
Mas não estás só.
De certa forma
enlouquecemos todos
_______________em asilos
____________________exílios
__________________________idílios.
Somos todos loucos
não tu só
com teus olhos azuis escancarados
olhando-nos do lado avesso do vidro
— tolo artifício:
não existe abrigo
contra a luz da loucura.
Deixa queimar até os ossos
(e não será tudo mesmo
reduzido a cinzas?)
Deixa arder fundo
pois só essa brasa
— que nos traz a morte —
nos ilumina.
o tempo que passa me alucina
— às vezes penso —
sombra que escurece a minha face
esse veneno
é a própria água em que debruço
a minha sina.
Só existo enquanto acendo o sonho:
o sonho infindo
que o bico da águia estilhaça
toda manhã
em vão. Recomeço e não receio
ira ou destino.
Que se vinguem os deuses (ó deuses)
nesse meu corpo
que não morre pois conhece o fogo
e sua chama:
sou pássaro a renascer das cinzas
ou salamandra?
princípio do fim
Por que nada permanece inteiriço
em sua casca,
protegido?
um dia racha
e pela fenda
passam peixes e navios
fantasmas que na noite ganham vulto:
fogo, chama, fumaça
nada permanece inteiro
tudo se esgarça
assim é o intervalado texto do destino,
forrando a mesa
por que não se estende eterno,
se é tão fino?
por que não dura a inteireza?
| poemas do livro Quadrívio, 2017. |
Elizabeth Hazin nasceu em Recife, em 1951. Doutora em Teoria literária pela Universidade de São Paulo, com especialização em Literatura inglesa pela Universidade de Londres. Professora da Universidade de Brasília e pós-doutorado em Roma. Obra poética: Poesias (1974), Verso e reverso (1977), Casa de vidro (1981), Arco-íris (1983, infantil), Espelho meu (1985), Martu (2006), O arqueiro e a lua (1994).