trecho de ‘a lua é um grande queijo suspenso no céu’, de Claudio Parreira

Capítulo 1
Do surpreendente despertar num campo onde todos dormem

Pois é, ventava quando abri os olhos na mais pura escuridão. Ouvia, a intervalos regulares, o cricrilar dos grilos, que na vida não fazem outra coisa senão isso mesmo. Fazem grilinhos também, como é natural, cagam e comem, suponho — mas não é disso que trata este capítulo, que tem por objetivo fazer uma abertura gloriosa e impactante para este livro que vocês, ó leitores, têm agora diante dos olhos.

Ventava, pois, quando abri os olhos na mais pura escuridão. Minha cabeça doía muito, muito mesmo. Pra piorar, eu tava sobre uma laje de mármore fria que só a porra. Não demorou muito, portanto, para vocês aí perceberem o lugar onde eu me encontrava: um cemitério. Ó!

Dond’eu vinha, nem a menor ideia. Prond’eu ia, muito menos. Estava. E só. Só?

Essa é uma coisa que talvez vocês não saibam: a morte não é o silêncio eterno, e os cemitérios, às vezes, são barulhentos pra caralho. Não falo do barulho tipo roquenrrou, que faz vibrar os tímpanos e o sangue, não, nada disso.

Há nesses campos santos (nunca entendi porque chamam assim aos cemitérios) ruídos assustadores, pequenos sons inexplicáveis, o maldito vozerio dos mortos. E, sim, afirmo: eles falam.

— Qual é a surpresa, meu jovem?

Meu jovem? Vou ser bem sincero: da mesma forma que acordei sem saber onde estava, não tinha nenhuma ideia sobre o meu aspecto: velho ou novo, belo ou feio, magro ou gordo, &t ceteretal. Eu era, apenas, e isso me bastava. A minha forma, ou corpo — bem, que disso se ocupem os estetas ou anatomistas. Tenho mais o que fazer aqui, que é contar uma história emocionante. Isso é o que eu pretendo, pelo menos.

| capítulo inicial do romance A Lua é Um Grande Queijo Suspenso no Céu (Editora Penalux, 2018) |

Claudio Parreira é escritor e vigarista. Foi colaborador da Revista Bundas, O Pasquim 21 e outras publicações impressas e digitais. Teve contos incluídos em diversas coletâneas e só ganhou um prêmio literário — na Áustria. É autor do romance Gabriel e do livro de contos Delirium, publicado pela Editora Penalux em 2014. Lançará em breve, também pela Editora Penalux, o romance A Lua É Um Grande Queijo Suspenso no Céu.