duas releituras de duas odes de ricardo reis
I
pesa o decreto atroz, o fim certeiro.
pesa a sentença igual do juiz iníquo.
pesa como bigorna em minhas costas:
_____um homem foi hoje absolvido.
se a justiça é cega, só o xampu é neutro:
quão pouca diferença na inocência
do homem e das hienas. deixem-me em paz!
_____antes encham-me de vinho
a taça, qu’inda que bem ruim me deixe
ébria, console-me a alcoólica amnésia
e olvide o que de fato é tal sentença:
_____a mulher é a culpada.
II
pese do fiel juiz igual sentença
em cada pobre homem, que não há motivo
para tanto. não fiz mal nenhum à mulher e
_____foi grande meu espanto
quando ela se ofendeu. exagerada, agora
reclama, fez denúncia e drama, mas na hora
nem se mexeu. culpa é dela: encheu à brava
_____a garbosa cara.
se a justiça é cega, só a topeira é sábia.
celebro abonançado o evidente indulto
pois sou apenas homem, não um monstro! leixai
_____à mulher o trauma.
Adelaide Ivánova é escritora, poeta, jornalista e fotógrafa brasileira, nascida no Recife, Pernambuco, em 1982. Lançou os livros Autotomia (fotografia), Polaróides (Cesárea, 2014) e O Martelo (Portugal: Douda Correria, 2015, Brasil: Edições Garupa, 2017). Edita o zine anarco-feminista Mais Pornô PVFR!