quatro poemas de Jussara Salazar

à revelia

rabisque um caramujo
rabisque outro
no campo erguido
sobre o tecido branco
devagar risque o primeiro ponto
enlace
o mapa de estrelas
se espraiando

sobre a nascente do rio
segure o bezerro
que sangrou
na faca do tempo
sem pressa risque mais caramujos
sobre o papel áspero e escuro
suavemente
da trama do algodão
verás que se ergue um mapa
à revelia

na hora das almas

A lua risca fios
na cumeeira

A lagarta tece
um casulo
entre as vigas

Feixes de linha
perfuram
o molde bruto

Partitura
cercos
mapas aprisionados

Costurados
entre as frestas
do telhado

a morte da vaca

sob a geografia santa
deste mapa
urdido entre espinhos e azuis
te arvoras
ruminando a terra
lavorando o pasto

a asa negra ronda
paciente aguarda
teu manto malhado tombar sob o sol

por isto foge
que teu desterro
já foi anunciado na secura do céu

eu queria lençóis brancos

vindos do algodão
que brilha ao sol de junho

mas o algodão brotou
no meu quintal
veio do chão escuro

e seus fios
cortam o dia
ao fio da faca

armam guerras
costuram
a terra ao sol

fingem ser ouro
ou fios
de um terço antigo

mas são fios
de outro brilho
que as filhas da terra enlaçam
em cardumes de mãos
nas tardes perdidas
e noites escuras

são fios que atam
o limo frio
à poeira do catimbau

Jussara Salazar publicou Inscritos da casa de Alice (1999), Baobá — Poemas de Leticia Volpi, (2002), Natália (2004), Coraurissonoros (Buenos Aires, 2008), Carpideiras, ganhador da Bolsa Funarte de Criação Literária em 2009 (MINC-Fundação Nacional de Artes, 2009), O gato de porcelana, o peixe de cera e as coníferas (2014) e Fia (2016). É mestra em Estudos literários pela Universidade Federal do Paraná e doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP.