três poemas de Regina Azevedo

fundo

clichê clássico
eu te amo do fundo
do meu útero
solo sagrado de pecado
perto de onde seu pau se enfia encosta e arde
no limiar da dor
afina o violino do futuro
células dançam
leite manchando mundinho cor de rosa
você não tem vontade de ir embora
porque chão é cama, chuveiro é cama
areia espelho escada e também em pé
cama é onde você se deita sente meu cheiro e perde o sono
onde eu mostro que as poetas são mais
com a mão dentro da calça
olhando fundo no seu olho
amando de novo

festejo ao fogo

só por um segundo
sob teu peito

o farfalhar do outono
e o que você fazia
em festejo ao fogo

a ponta dos dedos
ao relento

traquejo singular da labareda

misto de calmaria e lampejo
numa dança descabelada

a língua pronta para o surgimento
da manhã

o espírito de cavalo colorido
no ato de trocar os óculos com você
e te olhar de baixo

o minério que dorme na pele
o desafio que doma o segundo
a ginga que derrete as ondas

cheiro tônico diante do espelho

o rugido e o anúncio
do tropeço no ritual:

um orgasmo estupendo
anestesia contra bombas
de efeito moral

tomar catuaba com você

Tomar catuaba com você
é ainda mais tesudo
que ir a Hellcife, Natal, Fortaleza
ou ficar sequelado de 51 na Lapa

em parte por dançar forró com um mendigo suado
em parte por você ser o boy com o quadril mais eficiente do mundo
em parte por causa do meu amor por você
em parte por causa do seu amor por maconha
em parte por causa dos ipês albinos na estrada de Brasília

é difícil de acreditar quando estou com você
na existência de algo tão inerte
tão inodoro e ao mesmo tempo tão putrefato
quanto o atual Presidente da República

Nós andamos entre as fantasias da nossa canção
e de repente você se pergunta por que caralhos
alguém construiria um edifício atrapalhando o carnaval
Eu imagino o desmoronamento de um arranha-céu
e eu prefiro assistir ao acontecimento
de um desastre natural refletido nos seus olhos
Eu prefiro ver o seu sorriso diante de um maremoto
diante da falência da agroindústria ou das imobiliárias
a ver qualquer quadro pós-impressionista
exceto talvez Lautrec porque quando eu danço com você
eu não preciso fechar os olhos pra dançar com a melhor pessoa do mundo

Tomar catuaba com você
é ainda mais tesudo
que te assistir tragando um míssil
que ouvir você falando da potência das flores
que reposicionar a cama no lugar
que tropeçar e te encontrar
repetindo a palavra calma
enquanto o vento nos dá um sacode
e você diz que sente
a primavera fazendo cócegas
em nossas barrigas

Regina Azevedo é uma poeta brasileira nascida em Natal-RN, em 2000. Autora dos livros Das vezes que morri em você, Por isso eu amo em azul intenso e Pirueta. Mais: www.reginazvdo.tumblr.com