da mulher
da mulher
com as mãos decepadas
às trans assassinadas
a que recebeu cotovelada
àquelas que foram queimadas
das pretas,
das pobres,
das periféricas,
escondidas
nas vielas
nos barracos
nas favelas
em vagões de metrô
tendo que ouvir
montes de merdas
como ‘estupra ela’
como se a culpa
fosse dela
porra, che guevara,
me ajuda
como endurecer
sem perder a ternura?
[da diferença entre dar voz e dar ouvidos]
gentes
que pregam tanto
sobre igualdade
falam tanto
sobre equidade
mas não ouvem
a outra metade
esquecem que
substituir
a autoridade
pela alteridade
ou o lugar de fala
pelo lugar de escuta
não é milagre
na conduta
apenas obrigação
na luta
fale bonitas palavras
mas não as venda
nem as traia
por 30 moedas de prata
e se quer demais
os louros da vitória
a vaidade plena
o ego inflado
e toda a glória
que não seja só para posar para a história
que abra mesmo vosso peito para as balas
e enfrente furacões de igual para igual
transformando colônias em mátrias
corpo cidade
quem me dera fazer mágicas:
transformaria você na minha cidade
seu sexo seria meu marco zero
suas tatuagens virariam graffitis
as cicatrizes seriam buracos ou lombadas, que acabamos nos acostumando e até mesmo gostando
ruas, vielas, esquinas, avenidas
eu te percorreria
todo dia
do centro à periferia
Gabriela Pozzoli escrevive e mora em São Paulo. Criada na roça, nesse plano, é fruto de pai pescador e mãe cigana, e no outro painho e mainha são guerreiros; em todos planos, para todos os efeitos, é metade sereia e marinheiro. Site e Facebook.