a mulher é uma construção
deve ser
a mulher basicamente é pra ser
um conjunto habitacional
tudo igual
tudo rebocado
só muda a cor
particularmente sou uma mulher
de tijolos à vista
nas reuniões sociais tendo a ser
a mais mal vestida
digo que sou jornalista
(a mulher é uma construção
com buracos demais
vaza
a revista nova é o ministério
dos assuntos cloacais
perdão
não se fala em merda na revista nova)
você é mulher
e se de repente acorda binária e azul
e passa o dia ligando e desligando a luz?
(você gosta de ser brasileira?
de se chamar virginia woolf ?)
a mulher é uma construção
maquiagem é camuflagem
toda mulher tem um amigo gay
como é bom ter amigos
todos os amigos têm um amigo gay
que tem uma mulher
que o chama de fred astaire
neste ponto, já é tarde
as psicólogas do café freud
se olham e sorriem
nada vai mudar —
nada nunca vai mudar —
a mulher é uma construção
| poema do livro Um útero é do tamanho de um punho (Cosac Naify, 2013). |
Angélica Freitas nasceu em Pelotas, RS, em 8 de abril de 1973. É autora de Rilke Shake, publicado em 2007, e Um útero é do tamanho de um punho, publicado em 2013, ambos pela Cosac Naify. Edita, com Ricardo Domeneck e Marília Garcia, a revista de poesia contemporânea Modo de Usar & Co.