três poemas de Tito Leite

espinho & saciedade

A cidade sangra rosas de lata.
Menores dormem em hemorragia
— jejum forçado — colheita maldita.

Há poesia após o anjo sírio ceifar?
Poetas em via-crúcis das palavras
têm o mormaço que salva
do automático.

Plataformas no deserto, cães e dentes, tubarões.
Crua, uma pétala ulcerada
deseja fosforescer — ter bodas.

Em electrochoque — o futuro é azul metálico —
a recusa, um leão alado
na proa de um barco
em chagas.

Néctares robotizados em virtude de morte.
Muitos bens — pouca alma.
Minha inquietude precisa
voltar ao celeste.

amadurecer instantes

No entreter das capitais,
o lenho da solidão é consumido
pela geleira da multidão.

A lua late para o húmus —
o mar cega o sol:
o mundo é diáspora.

Enxadas em Orion,
corpos nos canaviais.

O fim não faz juízo:
o inferno reclama o céu.

A vida custa menos do que uma bala:
natureza morta das constituições.

Para o velho escriba
a tipografia é mais potente
que uma usina nuclear.
Ele faz, sangrando,
uma casa na nuvem.

substrato

O ilimitado é um número
anárquico. O céu range:
não há lençol para cobrir
a fonte do poente.

A poética da alma é arrepiante.

Invejo o cinismo de Diógenes:
um cão tinha os dentes
mais brancos que
os caninos da miss mercado.

Para salvar a si mesmo
é preciso perícia
na ciência de vermes.

Tito Leite nasceu em Aurora-CE (1980). É poeta e monge, mestre em Filosofia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Têm outras coletâneas publicadas nas revistas Mallarmargens, Germina e na portuguesa TriploV. Digitais do caos (selo Edith, 2016) é o seu primeiro livro.