espinho & saciedade
A cidade sangra rosas de lata.
Menores dormem em hemorragia
— jejum forçado — colheita maldita.
Há poesia após o anjo sírio ceifar?
Poetas em via-crúcis das palavras
têm o mormaço que salva
do automático.
Plataformas no deserto, cães e dentes, tubarões.
Crua, uma pétala ulcerada
deseja fosforescer — ter bodas.
Em electrochoque — o futuro é azul metálico —
a recusa, um leão alado
na proa de um barco
em chagas.
Néctares robotizados em virtude de morte.
Muitos bens — pouca alma.
Minha inquietude precisa
voltar ao celeste.
amadurecer instantes
No entreter das capitais,
o lenho da solidão é consumido
pela geleira da multidão.
A lua late para o húmus —
o mar cega o sol:
o mundo é diáspora.
Enxadas em Orion,
corpos nos canaviais.
O fim não faz juízo:
o inferno reclama o céu.
A vida custa menos do que uma bala:
natureza morta das constituições.
Para o velho escriba
a tipografia é mais potente
que uma usina nuclear.
Ele faz, sangrando,
uma casa na nuvem.
substrato
O ilimitado é um número
anárquico. O céu range:
não há lençol para cobrir
a fonte do poente.
A poética da alma é arrepiante.
Invejo o cinismo de Diógenes:
um cão tinha os dentes
mais brancos que
os caninos da miss mercado.
Para salvar a si mesmo
é preciso perícia
na ciência de vermes.
Tito Leite nasceu em Aurora-CE (1980). É poeta e monge, mestre em Filosofia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Têm outras coletâneas publicadas nas revistas Mallarmargens, Germina e na portuguesa TriploV. Digitais do caos (selo Edith, 2016) é o seu primeiro livro.