2.
| para ouvir este poema [link] |
Plantei uma goiabeira
dentro do banheiro
e a cigarra veio
morar comigo
Desde então tomo banho
de óculos, uma sensação
de melancolia molhada
que aprecio
Mas não amo, amor é o que vejo
semear, romper e brotar
da barriga da cigarra
uma parceria:
O canto
é ancestral, adquirido
às vezes peço uma canção
ela não tem ouvidos
Seu olho esbugalhado
de sapo explosivo
o meu inchado
de chorar sem motivo
Estou satisfeita,
mas não devo esperar
nada, é como criar
uma sereia.
71.
Na escada de incêndio
e sua inseparável
atmosfera de desastre
Um cego
de fones
tira fotos e grita
— Estamos todos juntos!
A rave do fim do mundo
é a mais longa de todas
São lindos os seus olhos
de ouriço, o foco turvejado
a dilatação, a queima
— Toda imagem é uma explosão,
e o que eu quero é criar
memória pros outros
Mas fatal mesmo é o jeito
de mexer as mãos, parece que pinta
longas estradas de terra.
73.
Eu os estranho como um velho conhecido
que não chegou a ser amigo, silêncio cheio
de ilusão e mandioca madura
Poemas de corte, de raspagem, de forma
e de detalhamento: ladainha,
o ritmo é raríssimo de se mamar na musa
Quando resolvo dar-lhes nomes
de olhos abertos nunca sei a medida
do bolo, da Terra, da santidade
Meus poemas agora duvidam entre a pedra
marrom e a pedra verde-sabão, de cara vejo
a suspensão confio a tudo que vai passar.
| poemas do livro Ladainha (Editora Record, 2017). |
Bruna Beber nasceu em 1984, em Duque de Caxias (RJ), e vive em São Paulo. É poeta e tradutora. Estreou na poesia com a fila sem fim dos demônios descontentes (Ed. 7Letras, 2006), e publicou também balés (Ed. Língua Geral, 2009), rapapés & apupos (Ed. 7Letras, 2012), Rua da Padaria (Ed. Record, 2013) e Ladainha (Ed. Record, 2017). É autora de um infantil Zebrosinha (Galerinha, Ed. Record, 2013), em parceria com Beta Maya. Seus poemas já foram publicados em antologias e sites na Alemanha, Argentina, Espanha, Itália, México e Portugal. Participou como autora convidada de diversos eventos literários no Brasil e no exterior, entre os mais recentes a FLIP (Festa Literária Internacional de Paraty), em 2013, e a Göteborg Book Fair 2014, na Suécia, integrando a comissão oficial de escritores que representaram o Brasil. Aliado à literatura, realiza trabalhos em artes visuais, e inaugurou, em fevereiro de 2016, sua primeira individual — Brinquedos Espalhados — no Oi Futuro (Ipanema, RJ), dentro do projeto Programa Poesia Visual e que abarca mais de trinta trabalhos produzidos nos últimos dez anos, entre áudios, vídeos, esculturas, desenhos, livros, quadros, fotos e objetos.
Para ouvir mais poemas do livro:
http://brunabeber.com.br/portfolio/ladainha/