cinco poemas de Prisca Agustoni

1.
Tenho uma linha de giz
traçada ao redor do coração

um arbusto frondoso
cinge meu pescoço

e na boca, o canto
dos lobos tristes da floresta.

No meu dorso dormem
junto comigo
cobrindo-me como um manto
as asas fechadas de um anjo.

Espero sair indene
dessa branca noite espectral.

2.
a rua bate com força no rosto
vem ao meu encontro não
sei nada sobre ela nem
sobre mim porém
sem pudor nem meio termo me toma
no cerne das horas e me leva

e carrega meu pensamento
até que me torne multidão
e enquanto suo e ando e estou
cansada, a rua me revela seu esplendor
no osso roído do asfalto

3.
Temos pele de vidro
e desejo de sobra

resta saber se não trinca
a pele sob a mão e seu tato:

as carícias como peixes
cobrem-nos de escamas.

Temos sorrisos e vidas
emolduradas

caso seja necessário
substituir meu vazio pelo teu

e enfiar-te no meu mundo
como roupa nova.

Temos palavras prontas
e livros que embelezam as estantes

caso seja necessário
inventar uma nova sabedoria

uma mera troca, rápida
como apertar essa tecla

e tudo deletar.

4.
a rua é quem esbarro
a fruta jogada no canto da calçada
a sola do pé que arde a dor
colada no asfalto
a esmola que resvala
na memória

a marquise onde me estreito
para que outros se acomodem
comigo

nessa ausência de nós
dentro da tarde

a rua é esse recorte e colagem
do olhar,

um super-homem de plástico
sem perna
afogado no bueiro

uma flor vermelha
que estoura nas grades

a rua é quem onde
agora
não sei
ou talvez amanhã
quem sabe
persiste
entre a poeira e o espanto

5.
Descamamos a espera como quem revolve a terra.

Há sempre dois itinerários sob o mesmo sol.

Tenho meu exílio camuflado dentro do teu
mas sem resíduos nem colírios
somos essas borboletas
penduradas às paredes

as mais belas e azuis
já sem força para voar.

Esprememos as palavras como se delas saísse remédio
mas estas são apenas palavras.

| do livro Animal extremo, Editora Patuá, 2017. |

Prisca Agustoni nasceu na Suíça e mora no Brasil desde 2003. Traduz do italiano, do francês e do espanhol, é professora de Literatura Comparada na Universidade Federal de Juiz de Fora, cidade mineira onde reside atualmente. Ensaísta, prosadora e poeta, integra o comité científico de vários festivais literários na Suíça e de revistas, além de escrever e publicar sua obra em italiano, francês e português. Recebeu em 2014 a Bolsa do Governo Suíço para a criação. Lançou este ano no Brasil os livros Casa dos ossos, pela Editora Macondo, e Animal extremo, pela Editora Patuá. Textos seus inéditos serão debatidos no começo de 2018 no Festival Literário Suíço de tradução, Bieler Gespräche/Rencontres de Bienne, no Instituto Literário de Bienne, na Suíça.