três poemas de Jorge Vicente

1.
minha Mãe Iansã,
que um vento de feroz alegria
me suporte a palavra,
essa sílaba [ou esse Canto
que amorosamente
te ofereço

minha Mãe que levas no ventre
todos os Deuses,
nasce como se morresses
ou como se vivesses
num tempo muito pequeno
[ou muito grande,

grande infinitamente grande
maior que um corpo
parindo uma tempestade.

2.
até que nasça um de nós,
não deixes morrer esta palavra,
esta lenta conjugação sanguínea,
este amor tão antigo e
com tanto chão por entre a pele
até que nasça e morra um de nós,
só nos temos como vertigem,
ou como potência,
ou como arte de viver,
ou como alegria imensa de
fazer parte de
um poema sem futuro.

3.
escrevo e devoro a civilização
mais breve dos meus ossos de dentro,
sempre em risco e sempre na corda
mais alta da mais alta sílaba,
sem onde me agarrar
e tendo a alegria de Dizer:
sou o mais sujo dos deuses
e a mais humana das marés.

| poemas do livro maré, por editar |

Jorge Vicente nasceu em 1974, em Lisboa, e desde cedo se interessou por poesia. Com Mestrado em Ciências Documentais, tem poemas publicados em diversas antologias literárias e revistas, participando, igualmente, nas listas de discussão Encontro de Escritas, Amante das Leituras e CantOrfeu. Faz parte da direcção editorial da revista online Incomunidade. Tem quatro livros publicados, sendo o último noite que abre (voltad’mar: 2016).