não fomos assim tão perigosas.
olhávamos a escadaria
muito preparadas
de cócoras diante do bote
punhos contra os ladrilhos do chão.
as vistas ofegavam.
mesmo depois de furtadas as
caras de felina
lembra
rompemos madrugadas e louças chinesas
é verdade.
tínhamos 20 anos e o mundo era nosso.
o salto era nosso.
o que não agarramos de imediato e o que víamos mesmo distante
era nosso.
as coisas que invadem a boca
até hoje
aos domingos santos.
calculamos cada detalhe
a fim de implodir a estrutura do edifício
com cuidado e eficiência
de quem entende o que veio
e o que está por vir.
confeccionamos bombas no parque central
os olhos por pouco infantis
inofensivas
como quem monta legos sem pretensão de muito
mas pensando um império nas mãos.
não vigiávamos os movimentos da cidade,
senão o ritmo das nossas panturrilhas
enquanto corríamos ou chutávamos ou nos imobilizavam
tudo dependia do ângulo de inclinação
dos objetos violados.
e de novo
muito preparadas
nos colocamos à prova de tudo que viria desabando pelos degraus.
assim mesmo
não fomos tão perigosas
como nos imaginávamos.
Natasha Felix nasceu em 1996, é de Santos-SP. Agora está por São Paulo. Publicou os zines anemonímia (2016) e j. não é um nome (selo manga, 2017). Tem textos publicados em alguns sites e revistas digitais e físicos.