o tempo que me habita, de Julianne Veiga

Sei que muitos, muitos foram os olhos postos sobre os morros que me cercam sem me limitar. Sei que nem todos os olhos, ao olhar, viram os contornos desenhados no céu e a dinâmica da luz que recai sobre eles, os morros, seres vivos que efetivamente são. Há olhares distraídos. Outros, mais afortunados, conseguiram transcender a visão para além da imagem vista, fundindo-se a ela. Porém, não importando muito a qualidade dos olhares, são todos eles cumulativos e ficaram todos retidos, não pela retina de quem viu, mas neles próprios, nos morros olhados. A acumulação, pois, de todos os olhares me possibilita eliminar a estagnação do tempo pelo calendário. Melhor, permite que o presente que agora vejo, pelo meu olhar, se comunique com todos os outros olhares que me precederam nesse ofício de ver, deixando o tempo escapulir do seu aprisionamento pelas horas, pelos anos, pelo passado, pelo futuro. Esta a comunhão, iniciada por um ato contemplativo aparentemente solitário, que me liga à paisagem, a todos que a viram e veem. Liga a pessoa que hoje sou àquela que um dia fui. Me ligará igualmente aos que ainda não chegaram. Me eternizo pela fluidez do meu olhar assim tornado coletivo. Mas nada disto se contrapõe à minha finitude física. Deixarei meu olhar refletido pelos morros, neles impregnados, de herança para os meus.

Eu que pretendia ter por tema a tentativa de aceitação da força do tempo sobre mim, da intenção de permitir que os cabelos possam exibir sua alvura, não o segurei. É que as palavras têm vida própria, se autodeterminam, tal como a rocha constrói sua solidez e o tempo livra-se de toda clausura. Existe vez também que a palavra abstrata se encorpa diante de mim, toma para si o silêncio, dá-lhe as mãos, vira-se e me deixa só.

Julianne Veiga tem 59 anos, é de Goiás, uma antiga e histórica cidade do interior do estado de Goiás. Casada, três filhos, três netas.