filhas da terra
remedia elza soares de bocado
arranhada garganta & punhos cerrados
cantarolando que não
essa mão que deus lhe deu
erguida jamais será
contra a fronte de mulher alguma
serenas filhas de iemanjá
vaidosas crias de oxum
escusas rebentas de ewá
soturnas castas de nanã
inquietas rebentas de oyá
não lhe deixem arrancar o pranto
que do manto das águas nasce
dos ventos do firmamento
da lama das rebentações
& tomem logo medida da valentia
de cujos seios nossas mães
nos vêm alimentar
gota por gota
dia a dia
descobre-se assim:
a força que se tem mulher
a força que se tem
essa luz que carregamos por dentro
uma luz que não se apaga
seja assim seja assado
ou a independer de umas machezas
que não passam
não passarão, meu bem
de infelicidades puramente passageiras
idade da pedra
a mulher que caminha na pedra
carrega muito mais que peso
enfrenta desafios
cidades esquinas
asfaltos & chãos de terra batida
a mulher que caminha
sai à procura da comida
que os seios pros filhos seus
não pôde dar sem luta
caminha no silêncio da pedra
a mulher que desconfia & grita
sem nem conhecer o porquê
de tamanho silêncio
ou a qualidade robusta
que lhe saltam aos olhos
em dias ou não de chuva
a mulher que pela pedra caminha
não se lasca com qualquer parede:
avança vozeia & grita
pelo alimento necessário das crias
que ardem de fome à revelia
a mulher de pedra caminha
afronta protesta & uiva
tem pelos longos cabelos
desgrenhados poréns
valiosas dúvidas
& dívidas muitas dívidas
que jamais foram suas
| do livro poemas crus, Editora Patuá, 2016 |
Cecília Floresta nasceu na capital paulista em dezembro de 1988. É graduada em Letras pela PUC-SP, ganha a vida editando livros e não passa sem amores ou literaturas — com apreço especial à brasileirada contemporânea. poemas crus é seu primeiro livro, publicado pela Editora Patuá em 2016.