a fogueira de são joão, de Marcos Samuel Costa

A cerca em cima da terra, terra em cima das raízes, raízes que envolvem-me mutuamente, e mutuamente envolvo-me com resquícios de amores passados — água corre rapidamente. Houve entre dois anônimos, a possibilidade de amor eterno, mas a palavra eterna por si só era grande demais, suas escolaridades eram rasas, houve dúvidas de escrita e entonação. A poesia que corrói a maldade não existia neles, no dia da extrema unção estavam na roça, cavando poços, desbulhando frutos vivos, ressoando diante dos irmãos as tonalidades oblíquas. Poderiam amar sim! Como poderia amar o instrumento que tornava real suas vidas, amor pelo facão, enxada… Amor é tão estranho como comidas caras em mesas pobres. Não vou dá-lhes nomes, o nome carrega obrigações, se pudesse diria logo a verdade — um deles sou eu. E nós éramos dois, dois garotos de pernas finas, olhos fundos, pensamentos longe, e com um mesmo destino — sofrer. Direi de tantas noites passadas juntos ao breu da solidão, cada um em seu mundo, mas com ligações que uniam. Corro agora, neste instante, quebro todas aquelas samambaias de pura raiva, saio de entre as raízes e corro atrás desse amor de verdade, mas não. Não posso, tenho mulher e filhos em casa, e ele mulher e filhos na sua casa, vive ele pois, enterrado assim como eu em si mesmo. Naquela tarde, em frente ao antigo igarapé dos desatinados, batizávamos, lhe dei um nome feminino e ele a mim, Lia e Iolanda, riamos sem parar, eternamente riamos, um do outro, riamos, éramos agora garotas cheias de sonhos, mas que não deixávamos de ser garotos que nós amávamos. Mas tudo durou pouco, no outro dia, garotos outra vez. Uma lição de carne doía em nossas peles, chegava o tempos das festas juninas, com quem iriamos pular fogueira? Jura aquém amor? Partilhar a maçã do amor? Ou nem comê-las? Fizemos nossa própria fogueira, chamamos os bichos e os infelizes a festejar conosco, pulamos juntos a fogueira de são joão, mãos dadas, palavras juntas — eu sempre vou te amar, vou casar contigo.

Marcos Samuel Costa é natural de Ponta de Pedras — Ilha de Marajó, Amazônia brasileira. Atualmente cursa Serviço Social na UFPA e mora em Belém do Pará. Vive perdido no caos da cidade grande e entre livros de poesia. É membro correspondente da Academia de Letras do Sul e Sudeste Paraense e da ASPEELPP-DJ. Autor dos livros Sentimentos de um século 21 (Multifoco Editora, 2014), Titulado amor (Editora Literacidade, 2014), em coautoria com dois amigos o Interpoética (Big Times Editora 2015), Uma semana de poesia (Editora Penalux 2016) e Lugar algum (eBook 2017, Amazona), e no prelo Não me envolva no seu rolo (Livro Mínimo). Participou de mais de 20 antologias literárias, entre elas I e II Anuário de Poesia Paraense e publicou nas revistas Mallarmargens, contemporArtes, Marinatambalo e g.u.e.t.o, além de fazer parte da equipe editorial do Jornal Crescendo, em que assina a página de crônicas infantis. Colaborou na 3ª ed. da Marinatambalo: Literatura e crítica na banca avaliadora. Mantém o blog Someplace, onde divulga sua produção, e colabora com outros.