cinco poemas de Bruna Mitrano

imprecação

que a chuva poupe as telhas pobres
e mais nada.

*

dois pra lá

gargalhou outra vez sem motivo.
tivesse língua,
lamberia o bico da 38 spl carregada,
pra deixá-la ainda mais aguda,
a noite.
ela,
morreria já a essa hora?
danço.

*

hoje fez dia mas ela disse
será de morte cada hora canta
a música perdida na infância
coloca o rosto entre meus peitos
de mãe preta e sente o cheiro
da casa que nos roubaram.

*

nasci com dentes podres
coisa de família
minha avó ficou banguela aos 26
os tios todos têm dentadura
criança diziam tão bonita mas assim
não vai arrumar namorado
eu não queria arrumar namorado
arrumei nove ossos quebrados
ossos fracos coisa de família
disseram bruna você parece que pode
partir ao meio a qualquer momento
eu quebrei muitas vezes
mas ninguém quis ver
que não quero namorados
e que meu mau hábito de
não escovar os dentes é por
que nunca paro de comer
porque o que sinto não é fome
é o sentimento da fome que talvez seja
coisa de família nunca entendi
o que é essa coisa de família.

*

o garoto corre de chinelo,
depósito de ânsias apreendidas ou
ainda a convulsão de quem nada tem.
olhos graves lama-mangue
na cara preta salpicada de farelo de biscoito.
o garoto tão pequeno já sabe andar de ônibus —
livrai-nos do mal, mãe, dá conta santificada de seus filhos
e o bebê carrega sobre a barriga redonda como se nunca tivesse saído —
sozinho:
um homem construiu sua casa com as próprias mãos.
demoliram a casa e ergueram um muro.

Bruna Mitrano nasceu (1985) e vive na periferia do Rio de Janeiro. É escritora, desenhista e articuladora cultural. Publicou o livro Não (Editora Patuá, 2016).