felicidade talvez amanhã, de Antonio de Medeiros

Levantou-se num pulo assim que viu o metrô se aproximar. Ultrapassou a faixa amarela. Logo ela que sempre respeitara o “mind the gap”. Encarou o condutor. Dessa vez não era engano. Camisa azul, crachá, rosto oval, barba rala, com a aliança. Sim, era ele. Conseguiu que a notasse e se sentiu forte em desafiá-lo. As sobrancelhas dele franziram em expectativa e depois em reconhecimento e espanto. Ela é louca, mas não faria aquilo ou faria?

Ela quis gritar o nome dele. Não saiu. Ele se arrependeu de tê-la conhecido, de ter trocado telefone e saliva com ela. E mais ainda de ter dito que trabalhava no metrô.

Ela tinha agora a chance de se tornar inesquecível. Poderia culpá-lo. Fazê-lo se arrepender de tê-la enganado. Lágrimas borravam sua maquiagem. Ela que nunca fora ridícula e que nunca amara alguém mais do que a si mesma.

Ele teve vontade de parar o trem e o tempo, dar nela uns tapas, gritar, beijá-la na boca entre soluços e lágrimas até que ela o perdoasse.

Menos de um metro entre os dois. Um metrô entre os dois. Limpa os olhos com as palmas das mãos, tropeça no salto alto, fora vaidosa até no momento de maior desespero, e desequilibra para frente, ele grita como se pudesse salvá-la, ela forçosamente brinca de João-Bobo.

Como ela foi boba. Sentia-se desperta de um feitiço e finalmente livre. Seus cabelos esvoaçam e lhe cobrem a vista. O barulho dos vagões a ensurdecem momentaneamente, mas não sente dor, o coração aos pulos, ela caiu para trás de bunda.

Os vagões passam cenas rápidas. O primeiro encontro ali na saída da estação da Cinelândia. Combinaram de tomar um chopp, tomaram vários. Ela gostava do jeito que ele a fazia rir. Transaram na primeira noite. Tudo muito intenso e rápido como os vagões que chegavam já na metade. Lembrou-se logo do cineminha durante a semana. Ele quis ver filme de heróis, ela aceitou porque queria ficar de mãos dadas com ele.

O último vagão lhe lembrou da cena de despedida. Os desafetos trocados. Ela que fizera tantos planos com ele, via o vagão desaparecer com as suas últimas esperanças. Agora apenas a nostalgia de uma vida não vivida.

Não foi dessa vez. Levantou-se sozinha e foi embora, e isso lhe mostrou que era uma mulher forte.

Antonio de Medeiros é formado em Turismo pela UniRio e tem especialização em Literatura Brasileira pela UERJ. Foi o oitavo finalista no Primeiro Concurso de Contos do CEB, da Universidade de Salamanca. Participou da antologia de contos Contágios, organizada por José Castello. Seu primeiro romance, Sozinho esta noite, está disponível como e-book na Amazon.