A menina era só um bebê vesguinho e vermelho quando o vento chegou na cidade, entrou na sala e disse, olá, princesa. E fez festinha no cabelinho ralo do bebê, que ficou mais vesguinho e vermelho ainda.
O bebê então fugiu do vento, que fazia festinha demais em seu cabelinho ralo. Ai que medo desse viajante invisível que sopra, sopra, bagunçando a vida da gente.
O bebê engatinhou pra dentro de uma caixa de papelão e ficou quietinho, bem escondidinho. Amor infinito. A caixa de papelão acolheu o bebê. O bebê apaixonou-se pela caixa de papelão.
Princesa, cadê você?
O vento procurou, procurou, mas não encontrou o bebê. Então foi embora, soprando papeis e árvores. Tinha a cidade toda pra bagunçar.
O vento foi embora mas o bebê não saiu da caixa de papelão. Estava mesmo apaixonado. Dentro era tão gostosinho, tão acolhedor. Parecia até a barriga da mamãe.
Hoje aquele bebê vesguinho e vermelho já é uma mulher crescida. É, sim, meus irmãos. Uma mulher crescida que admira, aprecia, estima, idolatra, preza, adora, AMA AMA AMA caixas de papelão.
Seu guarda-roupa não tem vestidos, calças e camisetas. Tem apenas grandes caixas de papelão.
Em seu aniversário o que ela gosta de ganhar? Só as grandes caixas de papelão, sem qualquer presente dentro. No amigo secreto da empresa e no Natal o que ela gosta de ganhar? Só as grandes caixas de papelão, sem qualquer presente dentro.
Ninguém sabe se ela é loira, ruiva ou morena, magra ou gorda, se tem peitinhos ou peitões, porque ela jamais sai de casa sem uma grande caixa de papelão cobrindo o corpo inteiro, com dois buracos na altura dos olhos.
Um dia ela é parada na rua por um grupo de marmanjos braçudos. O líder do grupo esbraveja, queremos ver seu rosto, sua bunda, seus peitos, queremos ver se você é mesmo uma mulher como dizem, você não tem o direito de se esconder pra sempre.
Tentam erguer a grande caixa de papelão, mas a mulher segura firme. Puxam com mais força, mas a grande caixa de papelão não sai.
Pare de lutar, criatura!
Puxam daqui, puxam dali. Colocam tanta força que a grande caixa de papelão rasga inteiro. Mas não encontram ninguém escondido. Na calçada da luta sobram apenas as tiras de papelão e um grupo de marmanjos braçudos e desolados.
Os pais e os amigos dessa mulher sentem muito a sua falta. Ela era uma pessoa divertida e generosa, comentam.
Até hoje ninguém sabe direito o que aconteceu nem onde a mulher das grandes caixas de papelão foi parar.
Só eu sei.
Porque essa mulher sou eu.
Nelson de Oliveira é escritor e doutor em Letras pela USP, muito cedo percebeu que a literatura é o local ideal para o exercício da liberdade. Incapaz de ser um só, desdobrou-se em outros três autores: o poeta Valerio Oliveira, o desenhista Teo Adorno e o ficcionista Luiz Bras.