três poemas de Tito Leite

teologia negativa

Nas maçãs do mistério um louco
morde a sombra
do sol.

Sob o peso
da solidão
é o meu número.

Hoje a comarca não me compra.

Uso sapatos
de chumbo para o vento
não me roubar.

Mostro a imensa substância
das noites escuras
de San Juan de La Cruz.

Na fuga
do hospício etéreo
a realidade se salva em porta:
arranha-céu.

moinhos de vento

Raquel chorava seus filhos trucidados
— eu choro os livros
não nascidos.

São pêndulos os anjos que quedam.

Na essência que me conflagra
minha metafísica estreita
os êxtases que escapam
dos molares de moinhos.

A incompletude irrompe
uma absurdidade incômoda.

Quero que sejam transcendentais
os acidentes.

Sublimo com água ácida
o eclipse que espelha
minha ascese de tarde.

Em pólvora e fogo guardei-me
nos sabres metálicos da noite.

No meu pouco tenho o limo
que safira a gema celeste.

amadurecer instantes

No entreter das capitais,
o lenho da solidão é consumido
pela geleira da multidão.

A lua late para o húmus —
o mar cega o sol:
o mundo é diáspora.

Enxadas em Orion,
corpos nos canaviais.

O fim não faz juízo:
o inferno reclama o céu.

A vida custa menos do que uma bala:
natureza morta das constituições.

Para o velho escriba
a tipografia é mais potente
que uma usina nuclear.
Ele faz, sangrando,
uma casa na nuvem.

| poemas do livro Digitais do caos, selo Edith, 2016. |

Tito Leite nasceu em Aurora-CE (1980). É poeta e monge, mestre em Filosofia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Têm outras coletâneas publicadas nas revistas Mallarmargens, Germina e na portuguesa TriploV. Digitais do caos (selo Edith, 2016) é o seu primeiro livro.