baile de máscaras, de Nelson de Oliveira

sobre humores ou fluidos | segunda semana bílis negra

Zacarias Sepúlveda Bezerra, alfaiate, recebeu o convite em sua casa — um sobrado caindo aos pedaços, localizado num dos piores bairros da cidade —, onde morava com a mãe, velha detestável, manca e diabética. Os olhos do mensageiro não desgrudaram dele, enquanto Zacarias segurava com dedos flácidos o papel:

— Que merda é essa?

— Esteja lá às oito em ponto. Não se atrase.

Um baile de máscaras. Zacarias pegou o terno que acabara de confeccionar para o melhor cliente, a cartola e a bengala que fora de seu pai, e a máscara que ele mesmo, Zacarias, alfaiate, costurara às pressas apenas para o evento. Uma carranca horrenda, parecida com as usadas por pigmeus africanos em rituais de feitiçaria.

— Que tal?

A mãe tirou os olhos da tevê, mediu o filho e cuspiu de lado.

— Você está a cara do prefeito — foi a única observação que ela, criatura odiosa, fez, antes de voltar a enfiar os olhos na tela prateada. A velha havia cuspido de lado porque não gostava do prefeito.

Ao chegar ao baile Zacarias percebeu que tudo não passava de uma armadilha.

— Você será enforcado, canalha dos infernos! Como tem coragem de aparecer aqui depois do que fez?

— Eu não fiz nada. Fui convidado. Deixem-me em paz.

Dezenas de máscaras o cercaram:

— Facínora!

— Assassino!

Quem regia a saraivada de insultos era justamente o prefeito, que por coincidência também se chamava Zacarias Sepúlveda Bezerra. Além disso Zacarias Sepúlveda Bezerra, prefeito, usava uma máscara que lembrava bastante o rosto de Zacarias Sepúlveda Bezerra, alfaiate.

— Tragam uma corda. De hoje esse sujeito não passa.

Havia muitos homônimos no salão, visto que todos os presentes, exceto os do sexo feminino, se chamavam Zacarias Sepúlveda Bezerra.

O prefeito com cara de alfaiate tinha violentado e estrangulado, no seu gabinete, um garoto de doze anos. Por isso o alfaiate com cara de prefeito estava sendo levado, contra sua vontade, até uma forca montada de uma hora pra outra no fundo do salão.

— Me soltem. Vão tomar no cu!

O alfaiate esperneou e distribuiu sopapos a torto e a direito. A multidão mascarada afastou-se por um instante, depois engolfou-o:

— Maníaco! Sodomita!

No chão coberto de confete e serpentina, a cartola, a bengala e o convite um pouco amarrotado.

— Meeeeee sol… teeeeeem…

Enforcaram-no. O corpo, já sem ânimo nem cor, ainda estrebuchou durante três ou quatro segundos. Quando a máscara caiu, todos viram que não era Zacarias Sepúlveda Bezerra, alfaiate, mas sua mãe.

— Escapou mais uma vez, o depravado.

Atiraram a velha pela janela e deram prosseguimento ao baile, que, apesar dos dois linchamentos posteriores, ambos transmitidos ao vivo pela tevê, não foi tão espetacular quanto os bailes do carnaval passado, em que o número de justiçados e de crianças violentadas havia sido bem maior.

Nelson de Oliveira é escritor e doutor em Letras pela USP, muito cedo percebeu que a literatura é o local ideal para o exercício da liberdade. Incapaz de ser um só, desdobrou-se em outros três autores: o poeta Valerio Oliveira, o desenhista Teo Adorno e o ficcionista Luiz Bras.