Se eu fosse um móbile eu iria ficar pendurada por um fio de cabelo para não parecer uma pessoa enforcada e causar sustos desnecessários. Ser assustador é proibido pela Convenção Internacional de Móbiles, fundada em 1931 na Basileia (ah, o entreguerras). Eu ia ser um tipo de móbile simpático e inofensivo como manda o regulamento.
E também ia fazer questão de ficar em um lugar de pouco vento, nem nenhum e nem demais já que uma medida exata de vento é tão necessária para o mobilismo da peça que devia até ser considerado parte integral de qualquer um deles: um móbile só é móbile quando está pendurado e se move, do contrário é um qualquer-coisa que não móbile, um bolo de fios e figuras, uma escultura naïf. Jamais seria uma escultura naïf. Nem uma bicicleta apesar do equilíbrio da bicicleta vir do seu movimento.
Se eu fosse um móbile gostaria de ser pendurada perto de uma parede ou em um lugar de luz forte para a minha sombra muitas vezes prender a atenção das pessoas e assim eu pudesse ter um pouco de paz. A sombra dos móbiles é geralmente mais interessante, embora sem cor, a tridimensionalidade é dispensável mas, já que é preciso existir para ter sombra, esse é o preço a pagar. Se eu fosse um móbile seria apaixonada pela minha sombra e diariamente surpresa com as possibilidades dela.
A sombra de um móbile é a única sombra que é afável em sua fantasmagoria. É como fantasma japonês, que não assombra, as crianças procuram por ele querendo brincar.
Então ia ficar ali como se fosse acidental o equilíbrio e não condição vital, ter de um lado uma grande massa única, do outro uma série de pedrinhas brilhantes. Um outro nível seria um degradê de azul correndo em diagonal com peças levemente triangulares e progressivamente menores, preso a cada uma delas estaria um guizo de som tão angelical quanto irregular.
Na ponta de tudo, querendo sempre tocar o chão mas infinitamente longe, um coração metálico derretendo alongado até que forma uma ponta afiada prestes a pingar. E tudo se encerra naquela mínima lança, como se dela dependesse a sustentação de todo o móbile e não da linha presa ao teto em um ângulo de 180 graus. A ponta desaparece na sombra, desapareceria se eu fosse um móbile.
Quão simétrico seria o eu-móbile? Muito pouco aparentemente, espero, para manter o equilíbrio da maneira menos óbvia possível. De um lado pendente uma bola revestida de canotilhos, meu fígado, e de outro um cone revestido de couro, o melancólico baço. As mãos, formando uma pomba da paz, purpurinadas.
O brilho poderia se espalhar pelo quarto com meus movimentos mobilares, mas prefiro que não. No máximo, um pouco de purpurina poderia cair sobre o coração, deixando seu topo mais divertido. Não que a existência no geral não tenha seu quê de festa, mas o móbile é mais sorriso que gargalhada, até que o observador se acostuma com sua presença e ele se torna o algo que está sempre ali.
O bom de ser móbile deve ser existir sem propósito, não girar com intenção primeira ou segunda nem mesmo ter querências para elogiar um dia que passou ou outro que falta. Não fazer nada, estar sempre à vista, acho que ia dar para levar.
Thais Lancman é escritora nascida em São Paulo, em 1987. Publicou em 2014 a novela Palito de Fosfeno pela Editora Reformatório e participou da antologia alemã de autores brasileiros Granzenlos (Arara Verlag). Atualmente prepara o livro de contos Elementos Fundamentais.