há tantos anos, em babilônia, poema de Fábio Fernandes

Quando vocês iam lá
procurar sentido
razão e sensibilidade nas muralhas da cidade
eu já estava voltando
cansado de tanto andar.

Cada passeio pela cidade
— esta cidade, hoje —
me faz lembrar a Babilônia
dos meus tempos de criança:
a feira livre
frutas e legumes
e tantos badulaques
batuques
marduk, me lembro bem
este era um deus

e aquele lá, no canto, era eu
nem venerado nem desprezado
mas quieto no meu canto
atento a qualquer coisa
porque então
— como hoje —
já se sabia
que manda quem pode
obedece quem tem juízes
vigiando seu percurso

Hoje passei em frente à uma igreja
entrei e acendi uma vela
não para santos
nem para esse deus
torturado e morto quando a Babilônia não era mais
nem um retrato na parede
nem doía.
A vela eu acendi pra lembrar
da minha mãe,
que há tantos anos perdi
nas margens de dois rios
— o Lete, do esquecimento, o Estige, do além.
quem
quem me ajudará agora?

Não me deem ouvidos.
são apenas palavras
e a Babilônia agora só existe
nas minhas lembranças.

Fábio Fernandes nasceu em 1966, no Rio de Janeiro, e vive em São Paulo. Professor e tradutor, é autor dos livros Interface com o Vampiro, Os Dias da Peste e L’Imitatore. Tem contos publicados nos Estados Unidos, Inglaterra, Romênia e Itália. Ganhou duas vezes o Prêmio Argos de Literatura Fantástica (Brasil). Traduziu, entre outros livros, Laranja Mecânica e Neuromancer, além de poemas de e.e.cummings. Estudou na Clarion West Writers Workshop de Seattle, tendo como instrutores Neil Gaiman e Samuel Delany, entre outros.