Uma troca: você nos dá o seu sangue e nós pagamos o seu salário.
Era necessário, por isso concordei.
Eles foram gentis no começo: sangue novo, sabe como é. Agulhas descartáveis, seringas esterilizadas. Sorrisos a cada coleta, manhã, tarde e noite. Um negócio justo, sim, senhor.
O que eu não sabia é que em bem pouco tempo só o sangue não seria suficiente: quiseram também a minha concordância.
— Você concorda e nós pagamos o seu salário.
Avaliei a situação e fui obrigado a concordar: um negócio justo, sim, senhor. O que eu não sabia é que em bem pouco tempo só o sangue e a concordância não seriam suficientes.
Faz nove anos que exigiram o meu silêncio.
— Você cala a boca e nós pagamos o seu salário.
Fiz uma rápida contabilidade e cheguei à conclusão de que seria um bom negócio: quem precisa de palavras, afinal?
Desde então as exigências aumentaram: deixei para eles a minha liberdade, a dignidade, meus desejos e sonhos. Tudo com contrato assinado. Um negócio justo, sim, senhor.
Faz vinte e cinco anos que aquela massa disforme sobre a mesa sou eu. Fui eu: todo o conteúdo foi trocado pelo salário. Diante do sacrifício exigido para a manutenção do Todo, no entanto, convenci a mim mesmo de que esse é um negócio justo, sim, senhor.
Tenho de mim, agora, apenas a alma. Sei que em breve alguém vai propor:
— Você nos dá a sua alma e nós pagamos o seu salário.
É necessário, pois é, claro que sim.
Claudio Parreira é escritor. Foi colaborador da Revista Bundas, do jornal O Pasquim 21, entre outras publicações. É autor, pela Editora Draco, do romance Gabriel e também da coletânea de contos Delirium, pela Editora Penalux. Facebook: Claudio Parreira.