O homem passou por mim, voltou, tirou uma fita métrica do bolso e me mediu: os braços, as palavras mudas, a disposição. Daí sacou o celular e tirou uma foto. Havia satisfação em seu rosto.
A noite caiu feito um viaduto, e junto a ela um silêncio de cores e formas que eu nunca tinha experimentado. Acho que fiquei feliz.
Acordei com um menino à minha frente. Também ele me mediu, fotografou.
— Por que não vai embora?
— Não posso — respondi, e ele se foi, decepcionado. Compreendi imediatamente: não é nada estimulante ver um homem assim, rendido. Talvez ele esperasse de mim uma saraivada de palavrões, gritos, lágrimas. Não lhe ofereci nada. Não transformei a sua vida, o seu dia. Nessa pequena troca, se alguém ganhou alguma coisa fui eu: um inimigo.
No meio da tarde chegou a equipe de TV: luzes na minha cara, a câmera apontada na minha direção, a repórter contando uma história que não é a minha. Nenhuma pergunta. Um grupo silencioso se formou à nossa volta: equipamento sofisticado, a emissora mais importante do país, essas coisas sempre chamam a atenção.
Percebo agora pela cor, sempre a cor, que já é madrugada. À minha frente um bando de cachorros vadios me observa. Estão famintos, eu sei, mas algo os impede de se aproximarem. Eu, é isso, eu os impeço. Não vale a pena arriscar, é claro. Não sabem do que eu sou capaz.
E tem sido assim: os meninos, as fotos, as TVs, os cachorros. Eu exposto em praça pública por um capricho da força que rege o mundo. Tudo isso, ainda, é uma novidade — mas em breve todos perderão o interesse.
Eu já perdi.
Claudio Parreira é escritor. Foi colaborador da Revista Bundas, do jornal O Pasquim 21, entre outras publicações. É autor, pela Editora Draco, do romance Gabriel e também da coletânea de contos Delirium, pela Editora Penalux. Facebook: [link]