a perversidade do injusto, de Caroline Fortunato

João.

Um nome simples, comum. Ele imaginava que teriam sido exatamente esses os motivos para que seus pais lhe chamassem assim: para pouparem a eles mesmos o trabalho de pensar em um nome marcante, de significado, que contasse histórias. Provavelmente fora o primeiro nome que veio à cabeça de seus progenitores. João e só. Nem um sobrenome igualmente comum. Ao menos, ele não se lembrava.

Aliás, vai saber se foram mesmo os seus pais quem lhe chamaram João?! Supunha isso instintivamente, mas não se lembrava de seus pais. Acontece que, desde que “se dava por gente”, simplesmente acostumou-se a ter tal nome.

João estava morando há um ano em uma lata de lixo, na cidade de Vitória, no Espírito Santo. Já não se incomodava mais com o cheiro. E os lixeiros não levavam as suas coisas embora porque passaram a conhecê-lo.

E, mesmo quando ele se ajeitava – ou se arrumava – o melhor que podia, e saía em um passeio pela sobrevivência, as pessoas, curiosamente, pensava ele, além da tradicional indiferença e asco, tinham-lhe também medo. Medo! Era esse o fator que mais entristecia João: ele jamais cogitara fazer mal a alguém.

João era negro.

E um dia, em um dia de atrevimento – todos nós temos algum dia em nossas vidas em que o hormônio da adrenalina esteja eufórico, quem sabe, e então nos tornamos prazerosamente ousados. O que é que tem, afinal?

João não era desses. Mas resolve ser por um dia. E experimentar. Era um dia dentro de si que sentia sede de descobertas boas! Então, ele se permite. Afinal, sempre via os outros homens fazendo o mesmo…

Uma mulher passa, toda bonitinha. E ele assobia.

Instantes depois, João é violentamente morto.

Ela era branca. Ele, mendigo.

Caroline Fortunato, 21, é estudante de Letras na FFLCH/ USP, colunista no site Obvious, contista em revistas, como a Labirinto Literário, e tem um livro publicado de forma independente pela Ed. Livrorama.