cantigas de maldizer, de Jovino Machado

satanás de saia

satanás de saia
não quis ser viúva
morreu na praia

seu fogo era frio
sua forca era fraca
seu punhal era podre

se enforcou no ego
se queimou na vaidade
se matou na maldade

não quis envelhecer
antes de apodrecer
belo pasto para os vermes

a cruz é espelho
doentias são as flores
contaminadas pelo abismo

lúcifer no cio

seu próximo passo
é retocar o batom
e assassinar
o amor que não existe

seu próximo passo
é pintar as unhas
e furar os olhos
da menina triste
que quer ser madonna

seu próximo passo
é usar os novos brincos
e derrubar do viaduto
o menino pobre
que quer ser guevara

seu próximo passo
é escolher a minissaia
e comprar a alma
do último trovador

a dama das trevas

sabe dançar a falsa valsa
seu voo é um presságio sombrio
no impulso lúdico caiu da torre
e perdeu a terceira perna
pode andar sem ela com muletas
mas vai sentir muito a sua falta
fala baixinho como uma fada
mas fere fundo como uma bruxa
sua saliva é venenosa e cruel
anda com passo de gazela
para não despertar os cães
deu um salto trapezista
quando o cupido se abaixou
para apanhar a flecha
sabe fingir em alemão
ou sabe-se lá qual idioma
demônio medieval
disfarçada de anjo barroco
pode ser vista ao lado de satã
na divina comédia de dante
ou rezando uma ave-maria
aos pés de nossa senhora do desterro
no altar da igreja do pilar
numa estranha alquimia
entre o sagrado e o profano
vai passar a eternidade
no nono círculo do inferno
ao lado de caim e judas
virgilio vai lhe virar a cara
sua beleza é uma cadela
que me envia em seus latidos
um ganido de socorro
que a vingança transformou
em cantiga de maldizer

Jovino Machado nasceu em Formiga-MG. Foi criado em Montes Claros e vive em Belo Horizonte. Publicou Cantigas de amor & maldizer (2013) e Sobras completas (2015), entre outros.