Despertava as águas e o corpo derramava
perdia-se o contorno da pele e habitava a fronteira
do insuspeito. Quem todas as madrugadas
entorna um copo de água e sente azulejos
espreguiçadeiras sem dar-se o nome
ao instante chamado na terceira presença
Nem fosse você nem eu quem acordou
com o nome da boca por onde as fases do rio
enchem ao que sobra arranja no assobio uma música baixinha
a dar vazante, os lábios tremendo tremendo quase desistindo diluindo
A letra esguia de uma carta proibida, de um gemido ou ruídos
de alguém chamando repetidamente, os chamados de ajuda
a uma grande explosão. Antes das manhãs
quase sempre os caminhões de lixo e as rádios adotam estações fantasmas.
A sala ainda guarda um piano mudo e gavetas inacessíveis
sem reconhecer a noite olhava pela janela, um filete de luz
já não reconheceria nem a cidade, mas ainda bem dentro
saberia da prata de toda lua
somente ao despertar as águas.
Maria Carolina De Bonis, São Paulo, nasceu em 20 de dezembro de 1982, estudou literatura e escreve para mudar os caminhos por onde passa ou perder-se em alguns deles. Publicou o livro de poesias Passos ao redor do teu canto, pela Editora Patuá na Coleção Patuscada (2015), projeto premiado com o ProAC.