O Ministério quer me convencer de que os leões estão lá fora, todos eles, e que é preciso, que eu preciso sair e enfrentá-los todos os dias, todos os malditos dias da minha existência, arrancar-lhes as cabeças à unha, tingir de vermelho o amarelo da arena que é essa minha magra existência.
Isso é o que Eles, o Ministério, diz. Eu faço o meu papel desde sempre: finjo a dor que de fato sinto, minto, visto a máscara. E os leões rugem sim, lá fora, tanto que temo colocar a cabeça à janela: um tiro, talvez uma cusparada, os impropérios que me aguardam desde antes.
Um grande teatro, isso sim. Eles, o Ministério faz a parte deles e eu a minha. As regras são claras: saia, enfrente os leões. Já fiz isso, voltarei a fazer inúmeras vezes até o meu fim (os leões, suspeito, são eternos) — mas sei que os leões de fato não estão apenas lá fora, na rua, nas repartições publicas movidas a assédio & corrupção, nos assentos higiênicos das imaculadas instituições bancárias que emprestam dinheiro a troco de almas. Os leões estão aqui, entre estas quatro paredes, dentro, fundo, cânceres impregnados na alma. De nada adiantam a quimioterapia e as orações: mais cedo ou mais tarde tudo se torna metástase.
Claudio Parreira é escritor. Foi colaborador da Revista Bundas, do jornal O Pasquim 21, Caros Amigos on line, Agência Carta Maior, entre outras publicações. É autor, pela Editora Draco, do romance Gabriel e também da coletânea de contos Delirium, pela Editora Penalux. Facebook: Claudio Parreira